Palavras do presidente eleito da ABD-Nacional

 Depois de mais de cinco anos fora do Brasil estudando e depois trabalhando com cinema na Escola Internacional de Cinema e TV de Cuba, decidi voltar ao meu país, especificamente para minha cidade de origem, Brasília. Poucos dias depois de chegar ao Brasil escrevi para alguém que conheci em Cuba e que dizia militar em uma entidade representativa da sociedade civil defensora do audiovisual brasileiro. Escrevi a ela explanando minha vontade em participar como fomentador de políticas para o audiovisual e, em resposta à minha mensagem, fui apresentado para a ABD do Distrito Federal por aquela pessoa que, não casualmente, era a presidente da ABD Nacional: a Solange Lima. 

Intuição e também identificação com as causas da ABD criaram em mim a certeza de que me aproximava de uma instituição que de fato compartilhava comigo os anseios de um audiovisual mais democratizado e descentralizado em nosso país.

Com o tempo fui percebendo que a ABD-Nacional, essa nossa associação de cineastas de todo o Brasil, reúne realizadores audiovisuais que se caracterizam pelo perfil verdadeiramente independente de um cinema autoral que realiza tanto documentários e curtas metragens, como também filmes de longa-metragem, animações, filmes experimentais, vídeos-arte, programas e séries para TV, entre outros gêneros que se distanciam dos formatos mais comerciais. Percebi em minha realidade local e também nacionalmente, que além dos realizadores, também fazem parte da ABD-Nacional diversos cineclubistas; técnicos cinematográficos; roteiristas; atores; organizadores de mostras cinematográficas e festivais; enfim, um amplo leque de profissionais do audiovisual brasileiro que buscam inovar não apenas na maneira de fazer seus filmes, mas também na forma de se fazer política cultural no país.

Mas de fato o que distingue a ABD-Nacional como uma das mais importantes entidades representativas do setor audiovisual brasileiro não é apenas a suposta presença e militância em todo o território nacional, mas sim nossas anteriores conquistas nestes 40 anos de história e também nossas tradicionais bandeiras de luta. Além daquilo que já está no nome da entidade, a defesa dos documentaristas e curtametragistas, a ABD-Nacional defende o cinema de autor, o cinema de criação, o cinema de arte. Em outras palavras, trabalha na defesa de um audiovisual: verdadeiramente independente; com liberdade autoral; regionalizado; algumas vezes periférico; um audiovisual que se importa com as possibilidades de fomento de todo o setor e não apenas da produção; um audiovisual promotor da formação de público; com possibilidades de distribuição e exibição nas mais diversas janelas; que valoriza o cineclubismo; um audiovisual comprometido com a democratização dos meios de comunicação; empenhado na participação paritária entre a sociedade civil e o estado nos órgãos consultivos e conselhos de cultura e comunicação; enfim, uma entidade comprometida com o papel social de cada um de nós, artistas/comunicadores, ante esta sociedade cada dia mais globalizada e banalizada. Talvez ai seja pertinente a alcunha de uma nova palavra: “globa(na)lizada”.

Esta reflexão sobre a identidade da ABD-Nacional e de cada uma das ABDs locais é tema das recentes discussões dentro de nossa entidade. Mas em todos os seus 40 anos de existência, a ABD-Nacional teve como objetivos defender, promover e difundir a obra audiovisual brasileira; promover o aperfeiçoamento de seus associados; promover campanhas visando o desenvolvimento de projetos culturais relevantes para os realizadores de obras audiovisuais; representar e defender os interesses dos seus associados junto aos órgãos públicos e privados ligados à atividade audiovisual… Entretanto, mesmo que a ABD-Nacional continue fiel aos seus princípios balizadores que permeiam a entidade desde sua fundação, é natural que esta identidade tenha sofrido ligeiras mutações no decorrer dessas quatro décadas. E portanto, daremos continuidade também ao processo de mudanças em nossa entidade para que pouco a pouco possamos revitalizá-la e revigorá-la.

Com esse intuito de renovação e revigoração, construímos nossa chapa buscando atuar de forma colegiada e mais horizontal possível a cada decisão que tomamos. Dialogamos com todas as entidades habilitadas a participarem das eleições e ficou perceptível a unidade estabelecida em prol de um objetivo comum: o de fortalecer nossa entidade. Essa unidade também evidencia a vontade de que a apatia e a desmobilização não estejam mais presentes em nossa associação, para que juntos alcancemos a esperada descentralização da produção audiovisual e que a cada dia estejamos mais próximos do utópico lugar no qual o audiovisual brasileiro seja pleno da multiplicidade de olhares, da variedade de discursos, da pluralidade de percepções e da diversidade de vivências. 

Há exatos dez dias a ABD-Nacional cumpriu seus 40 anos desde sua fundação na Bahia. Desde o passado dia 11 agora, hoje e até o dia 11 de setembro do próximo ano estaremos desenvolvendo atividades em comemoração a esses 40 anos com o intuito de colocarmos em pauta as nossas prioridades de lutas nos mais diversos festivais e eventos do setor audiovisual brasileiro. 

O legado de conquistas dessa nossa entidade quarentona é consideravelmente relevante. E esse legado cria em mim, que ainda estou longe dos 40 anos, um senso de responsabilidade ainda maior para poder, junto com toda a diretoria eleita, prosseguir conquistando vitórias em nossas demandas. Assim sendo, em virtude da relativa pouca idade que tenho e da recém militância na ABD-Nacional, compartilharei com vocês nessas palavras finais um porco de meu perfil ideológico e visão sobre o audiovisual, para que me conheçam melhor. 

Acredito que o cinema brasileiro é por nascimento e natureza: Periférico. Marginal. Não é gerado em Hollywood e está à margem do que massivamente vê o cidadão brasileiro. E se esse cinema feito no Brasil é também independente, ou seja, não é o que se parece a uma telenovela ou serie televisiva e não foi financiado por uma TV, ele acaba sendo duplamente periférico. E são essas também algumas das razões que justificam o empenho público em prol do cinema brasileiro, para que uma diversidade de olhares em relação à cultura e a condição humana que nos caracteriza como brasileiros sejam refletidos por nossas câmeras e projetores.

A minha percepção e consciência da diversidade cultural, minha convicção de nossa latinidade e minha visão de mundo humanista, também foram moldadas nos quase cinco anos vividos na EICTV, em Cuba, onde convivi cotidianamente com pessoas de mais de 50 países diferentes. E onde, por 4 anos, trabalhei como coordenador acadêmico dos alunos e professores que fazem parte dos dois anos de curso regular do Departamento de Documentários.

Lá moldei também minha visão de que o audiovisual, essa “utopia dos olhos e das orelhas”, são fontes intermináveis de reflexões sobre a nossa sociedade, sobretudo quando podemos considerar que os filmes podem exercer papéis que exemplifico aqui fazendo uma analogia com alguns objetos. Nossos filmes podem ser retratos (quando apresentam o outro a quem observar), podem ser espelhos (quando fazem que enxerguemos a nós mesmos), podem ser martelos (quando destroem preconceitos e prejulgamentos em relação ao desconhecido), podem ser tijolos (quando constroem e consolidam valores humanísticos), entre outros mais, pois não se acaba ai a lista de presentes de vivências que o audiovisual nos pode ofertar.

E pelas razões antes expostas e desde minha condição de ideologicamente esquerdista; de latino-americano; de brasileiro, nascido e crescido no cerrado (especificamente em uma cidade com uma rica diversidade cultural, só pelo fato de ter recebido pessoas e elementos culturais de praticamente todos os estados da Federação); que me sinto verdadeiramente motivado em liderar esse coletivo de entidades para que juntos possamos realizar as mudanças necessárias na ABD-Nacional e que deverão garantir um futuro que nos leve a outros 40 anos mais.

Vida longa ao cinema! 

Vida longa à ABD-Nacional!

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